por: Uwe Kehl
A questão envolvendo os melhores critérios de avaliação de ativos e
passivos sempre foi cercada de controvérsias e objeto de divergências entre
profissionais, acadêmicos e outros especialistas. Mais recentemente, a polêmica
tendeu a polarizar-se em dois critérios específicos: o custo histórico e o
valor justo.
O problema é a abundância de atributos positivos e negativos
relacionados a esses dois critérios, dificultando o delineamento de uma
fronteira que permita indicar sua aplicabilidade para cada item do balanço
patrimonial. Se as mensurações pelo valor justo são em geral mais relevantes,
as estimativas que o baseiam são mais subjetivas e os números apresentados,
mais voláteis. Já os saldos das contas computadas pelo custo histórico oscilam
menos, são baseados em critérios mais objetivos, mas retratam uma avaliação
mais estática, defasada no tempo. Esses prós e contras têm sido objeto de amplo
debate entre órgãos normativos, contadores e administradores, e necessariamente
envolvem ponderações visando a identificar o critério que mais bem se aplicaria
em cada caso.
Neste estudo objetivamos apresentar as principais referências que
nortearam a evolução do pensamento contábil para o critério do valor justo, bem
como verificar as barreiras existentes para sua plena aplicação no Brasil. A
consciência da existência de obstáculos é necessária para a evolução do
pensamento contábil brasileiro e também para a harmonização com as normas
internacionais, fator importante para a inserção das empresas brasileiras no
mercado de capitais na arena internacional.
Depois dos recentes escândalos financeiros verificados nos Estados
Unidos e na Europa, o papel da contabilidade como principal linguagem de
comunicação dos agentes econômicos para a avaliação de investimentos ou de
riscos, e decorrente tomada de decisão, assumiu importância nunca antes vista.
Um dos resultados desses escândalos foi o comprometimento com a convergência de
normas de contabilidade, em especial as americanas e internacionais,
direcionada principalmente a empresas que demandam capitais internacionalmente.
Anos antes, a própria Organização Internacional das Comissões de Valores
(OICV/IOSCO) já havia recomendado, através de resolução de maio de 2000,
atualizada em fevereiro de 2005, a adoção das normas internacionais de
contabilidade pelas companhias nas captações internacionais de recursos.
A adesão a essas resoluções internacionais relaciona-se, por sua vez,
diretamente com o acesso de empresas brasileiras ao mercado global de capitais,
fator importantíssimo para o desenvolvimento econômico. O prosseguimento da
adoção no Brasil de normas contábeis distintas prejudica a comparabilidade da
performance entre empresas brasileiras e estrangeiras e encarece o custo de
capital das companhias domésticas.
O presente trabalho inicia-se com a abordagem dos principais critérios
de mensuração de ativos e passivos (valores de entrada e de saída)
tradicionalmente apresentados na literatura (Capítulo I).
No Capítulo II, pesquisamos o cenário internacional anterior ao da
aplicação do valor justo, principalmente nos Estados Unidos da América, e os
fatores que levaram à evolução do pensamento contábil, resultando no crescente
desuso do custo histórico como critério de avaliação. Pesquisamos também os
princípios fundamentais de contabilidade vigentes no Brasil e a experiência
brasileira com o método do custo histórico corrigido, notadamente a correção
monetária integral.
A seguir, no Capítulo III, tratamos do ambiente contábil atual segundo
os princípios de contabilidade norte-americanos, as normas internacionais de
contabilidade e os padrões de contabilidade brasileiros. Considerando-se a
crescente importância dos instrumentos financeiros nas atividades empresariais,
especialmente bancárias, analisamos os aspectos principais do SFAS 115 e da
minuta de pronunciamento do FASB que consolida as mensurações pelo valor justo,
nos Estados Unidos; a norma internacional IAS 39, sobre instrumentos
financeiros, sua aprovação com ressalvas pela União Européia, e outras normas
internacionais de contabilidade que exigem avaliações pelo fair value; e o
cenário brasileiro, onde regras do Banco Central do Brasil e da SUSEP
prescrevem, desde 2002, a mensuração de certos instrumentos financeiros pelo
valor justo.
Posteriormente, no Capítulo IV, examinamos as principais vantagens e
desvantagens do custo histórico e do valor justo, iniciando com uma ponderação
entre relevância e confiabilidade, e continuando com a discussão da
comparabilidade. Em seguida, tratamos do atributo volatilidade, o que mais
gerou disputas pela aprovação, pela União Européia, da versão “correta” do IAS
39. A visão mais realista das demonstrações financeiras proporcionada pelo
valor justo tornaria os saldos das contas voláteis demais, fato que desagradou
às instituições financeiras em geral, principalmente bancos franceses e
alemães, prontificando-os a praticar vigorosos lobbies, com resultados favoráveis,
junto à União Européia.
Finalmente, procura o Capítulo V realizar conjeturas sobre o
desenvolvimento futuro das normas contábeis na arena internacional e no caso
particular do Brasil, onde a aplicação mais intensa do conceito de valor justo
necessariamente deve passar pelo Congresso Nacional, na forma de reforma da Lei
das Sociedades por Ações.
Fonte:
http://www.cvm.gov.br/port/public/publ/ie_ufrj_cvm/Uwe_Kehl.pdf